Desde que fundamos a Parkview em 2011, debatemos frequentemente se deveríamos incluir ouro em nossa alocação padrão de ativos. Não o fizemos. Sempre acreditei que, por ser um ativo que não gera rendimento, não é possível atribuir-lhe um valor com consistência. Ainda assim, reconhecemos que o ouro tem um lugar especial no imaginário de alguns investidores. Para os que têm uma convicção muito forte quanto a essa alocação, atendemos aos seus pedidos.
Não estamos sozinhos nessa reflexão. Uma busca rápida em bancos de dados de artigos acadêmicos revela uma enxurrada de textos defendendo a inclusão do ouro em carteiras de investimento. Não vemos esse tipo de discussão sobre ações ou títulos de dívida. Todos consideram naturalmente que ações e títulos são investimentos, e a pesquisa se concentra em como investir melhor neles. O fato de haver tanta pesquisa sobre se o ouro deve ou não estar em uma carteira já é, por si só, evidência de que não há uma resposta clara.
Neste texto, compartilho minhas reflexões sobre algumas questões: Como se avalia o ouro? Quais são as dinâmicas de mercado? Há uma justificativa objetiva para investir em ouro? Por que o ouro subiu no último ano? O que recomendamos aos investidores sobre suas alocações em ouro? Por que o ouro atrai tanta atenção?
Como se avalia o ouro?
Investir significa aplicar dinheiro com a expectativa de gerar renda, lucro ou valorização ao longo do tempo. Como o ouro não gera renda, ele não atende à primeira definição. A menos que haja uma oportunidade incomum de arbitragem entre mercados, lucrar com a negociação de ouro — uma commodity altamente líquida — também é difícil para a maioria dos investidores. Assim, pela definição estrita de investimento, o principal motivo para investir em ouro — isoladamente — é a expectativa de que o preço suba. Para ter uma opinião sobre a direção do preço do ouro, é preciso ter alguma maneira de avaliá-lo.
Ao investir em títulos ou ações, há um consenso geral de que a avaliação envolve descontar fluxos de caixa futuros. As pessoas podem discordar sobre as suposições por trás da metodologia, como a taxa de desconto ou a taxa de crescimento. No caso do ouro, no entanto, não há consenso sobre a metodologia correta para avaliar o ativo. Portanto, o ouro não tem um “valor justo” universalmente aceito. Existem quatro metodologias comumente usadas.
Primeiro, algumas pessoas usam a razão entre o preço do ouro e o de algum outro ativo. Já vi o ouro ser avaliado em relação à prata e ao petróleo. Por que deveria haver uma razão fixa entre duas commodities não relacionadas exige certa ginástica lógica. Mas isso funciona para algumas pessoas.
A segunda metodologia frequentemente usada é a do custo de oportunidade. Se as taxas de juros estão baixas, então o custo de oportunidade de manter um ativo que não gera rendimento é baixo. O ouro se torna mais atraente. O inverso também é verdadeiro. Essa abordagem é bastante intuitiva. Ela ajuda a explicar a direção dos preços do ouro em certos momentos. Mas não ajuda a determinar se o preço atual é justo, baixo ou alto demais.
Uma terceira metodologia é usar a avaliação baseada em risco extremo (tail-risk). Isso se aplica principalmente a investidores institucionais e basicamente significa que é uma avaliação subjetiva com base no que o investidor está disposto a pagar por proteção contra um evento de mercado raro, mas severo.
A quarta metodologia é observar a dinâmica de oferta e demanda. A dinâmica de oferta da mineração de ouro é bem compreendida. Já a oferta de investidores que vendem e a demanda dos que compram é uma história mais complicada.
Por que as pessoas compram ouro?
Há três grandes fontes de demanda por ouro. O estoque mundial de ouro está atualmente distribuído da seguinte forma: joalheria e usos industriais (60%), investimentos privados (22%) e reservas oficiais de bancos centrais (17%). Cada uma dessas categorias tem dinâmicas próprias.
Joalheria e usos industriais
Em economias desenvolvidas, o ouro em joias costuma ser comprado por seu valor estético. No entanto, a maior parte da demanda por joias de ouro vem de outras regiões. Europa e América do Norte representam cerca de 10% da demanda global, o mesmo que o Oriente Médio. Índia e China respondem por cerca de 65% da demanda mundial. Nessas regiões, a demanda é mais complexa e vai além da estética.
Em economias onde o governo ou os bancos não são confiáveis, o ouro é útil. Tenho experiência pessoal com isso. Quando era criança, lembro que nossa empregada doméstica, uma migrante curda, usava cerca de 15 pulseiras grossas de ouro. Aquelas pulseiras eram as economias da família dela. Jamais passaria pela cabeça dela confiar suas economias a um banco estatal baatista no norte do Iraque.
A Índia tem sido historicamente o maior consumidor de ouro. A demanda por ouro na Índia é provavelmente mais estudada do que em qualquer outro lugar. A cultura indiana tradicionalmente valoriza o ouro, mas estudos de comportamento do consumidor mostram uma rede complexa de fatores por trás da demanda. A expectativa de valorização futura é um fator. Mas o uso do ouro por pessoas que evitam impostos é muito relevante, assim como a percepção de segurança. Nada disso surpreende em um país onde o acesso bancário em áreas rurais é dominado por poucos bancos estatais mal administrados. Tenho uma lembrança marcante de uma menina indiana extremamente magra, talvez com 14 anos, pedindo esmola em um semáforo em Mumbai. Ela usava um único brinco de ouro.
Na última década, a China ultrapassou a Índia como maior consumidora de ouro. Por que a China demorou tanto, mesmo com renda per capita maior? É interessante que o consumo de ouro acelerou justamente quando o horizonte econômico chinês ficou mais incerto.
O ouro tem valor estético e também serve como símbolo de status social. Mas usar joias de ouro não é apenas uma forma antiga de ostentar, como um moletom cheio de logotipos da Gucci. Em muitas partes do mundo, a demanda por ouro é tanto resultado da insegurança econômica quanto da prosperidade. Sob essa ótica, o crescimento da economia global pode aumentar ou reduzir a demanda por ouro.
Reservas dos bancos centrais
Em 1924, no livro "Tratado sobre a Reforma Monetária", Keynes descreveu o ouro como uma "relíquia bárbara". E tinha razão. Embora o ouro tenha sido restaurado como âncora monetária após a Segunda Guerra Mundial, isso não durou. Nos anos 1960, metade do ouro do mundo era detida por bancos centrais. Hoje, são cerca de 17%.
Por que os bancos centrais ainda mantêm ouro? Houve um período, entre o fim dos anos 90 e início dos anos 2000, em que muitos bancos centrais começaram a vender suas reservas. A razão era simples: por que manter um ativo que não rende? Os bancos centrais geralmente mantêm o ouro por seu valor histórico, pois registrar a volatilidade do ouro nos balanços poderia causar problemas. Ao vender o ouro, podiam registrar lucro contábil e reinvestir em títulos estrangeiros com rendimento.
Nos últimos anos, bancos centrais de alguns mercados emergentes voltaram a comprar ouro. Isso começou em 2009, após a crise financeira global, e aumentou depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. Em grande parte, isso é político. Alguns países começaram a se afastar do dólar, especialmente aqueles com tensões políticas com os EUA. A Rússia passou a vender dólares e comprar ouro após a invasão da Crimeia. A China acelerou as compras depois que EUA e Europa congelaram os ativos do banco central russo.
Bancos centrais de economias avançadas, por outro lado, não aumentaram suas reservas. Estudos com gestores de reservas mostraram que o principal motivo para comprar ouro é a percepção de que ele oferece diversificação em momentos de estresse econômico — e, mais importante, proteção contra sanções financeiras.
Ouro como investimento
Os motivos mais comuns citados para investir em ouro se dividem em dois argumentos principais. Primeiro, existe a percepção de que o ouro é uma reserva de valor — uma forma de proteção contra a inflação e contra a desvalorização da moeda. Segundo, o ouro pode servir como proteção em eventos extremos, e como ele tem baixa correlação com outros ativos, ajuda a diversificar a carteira.
Mas há uma falácia lógica em dizer que o ouro é um bom investimento apenas porque preserva valor. Investir é sobre gerar retorno, não armazenar valor. Muitos entusiastas do ouro mostram gráficos que comparam a valorização do ouro com a desvalorização do dólar ao longo do tempo. Isso é comparar com guardar dinheiro em espécie — algo que não é investimento, e sim o oposto. Quando se compara o desempenho do ouro com ações ou títulos no longo prazo, o ouro fica para trás. Além disso, para algo ser uma boa reserva de valor, deveria ser mais estável. E o ouro pode ser tão volátil quanto ações.
A ideia de que o ouro protege contra a inflação é debatida. Em alguns períodos sim, mas não sempre. Na última alta inflacionária, o ouro caiu 4,17% em 2021 (quando a inflação foi de 1,4% para 7%) e mais 0,77% em 2022 (com inflação acima de 6%).
Sobre proteger contra desvalorização cambial, depende da moeda. O ouro caiu em dólares em 2021, mas subiu levemente em francos suíços e teve forte valorização frente à lira turca. Nessas situações extremas, como guerras ou colapsos econômicos, faz sentido recorrer ao ouro. Um exemplo clássico: o pai de uma amiga escapou da Revolução Russa levando moedas de ouro e diamantes costurados no forro do casaco.
A principal justificativa para incluir ouro em uma carteira é seu papel de proteção e diversificação. Como a demanda por ouro é diferente da de outros ativos, ele se comporta de forma menos correlacionada, ajudando a reduzir a volatilidade do portfólio. Essa diversificação é mais efetiva em carteiras com muitas ações, menos em carteiras com grande peso em renda fixa, já que há momentos em que ouro e títulos andam juntos, como quando os juros caem.
Durante a crise de 2008, por exemplo, o ouro subiu 6% enquanto ações despencavam. Títulos do Tesouro dos EUA subiram 13%. Ao longo do tempo, incluir ouro pode reduzir a volatilidade e melhorar o índice Sortino (retorno por unidade de risco negativo), importante para investidores institucionais, mas pouco compreendido por investidores individuais.
A eficácia dessa diversificação também varia por país e momento. Um estudo mostrou que funciona bem no Canadá, Alemanha, Itália, Reino Unido e EUA — mas não no Japão ou China. Em tempos normais, o impacto depende das taxas de juros e da forma da curva de rendimentos.
Portanto, o ouro oferece uma proteção específica. A decisão de incluir ou não, e em que proporção, é bastante subjetiva e depende do perfil do investidor.
Por que o ouro está subindo?
O ouro é uma commodity relativamente escassa e cara de extrair. Em prazos curtos, o mercado se comporta como se a oferta fosse fixa. Com isso, aumentos súbitos de demanda geram movimentos bruscos de preço. Como boa parte do ouro já extraído está em forma de joias ou guardado em bancos centrais, o volume disponível para negociação é pequeno — o que amplifica a volatilidade.
Mesmo com uma leve sobra de oferta física, o preço subiu quase 40% no último ano. A explicação está no mercado de derivativos e na mudança de sentimento. O volume de negociações em contratos futuros de ouro supera em 50% o volume de negociações físicas. Isso não é incomum — no mercado de petróleo, por exemplo, os derivativos superam em muito o mercado físico.
Investidores institucionais preferem derivativos por serem mais líquidos e mais baratos de custodiar. Parte da alta recente pode estar ligada ao foco desses investidores em melhorar índices como o Sortino.
Há também muita especulação. Rumores sobre tarifas de Trump sobre o ouro criaram oportunidades de arbitragem entre os mercados de Londres e Nova York. Além disso, incertezas sobre tarifas, a OTAN e eventos globais aumentam a procura por proteções.
Nos EUA, sempre houve desconfiança sobre as reservas de ouro do governo, alimentadas por teorias da conspiração e pela falta de auditorias desde 1953. Em 2017, o então secretário do Tesouro, Mnuchin, gerou comentários ao tuitar "Glad gold is safe!" após visitar Fort Knox. Propostas de auditoria feitas por Trump e Elon Musk só alimentam essas teorias.
Como os investidores devem pensar sobre o ouro hoje?
Bolhas especulativas são difíceis de identificar. Com o ouro, isso é ainda mais complicado, pois não existe um modelo aceito para definir seu valor. Se uma ação tem um P/L de 100, dá para debater com base em fundamentos. Mas com o ouro, nem isso é possível.
O preço do ouro reflete medos e crenças. Isso pode não ser racional, mas pode se tornar realidade. Como dizia George Soros, se muitas pessoas acreditam em algo, elas podem mudar o comportamento do mercado e até a realidade. Ir contra a manada é arriscado. Segui-la pode funcionar se você souber sair a tempo. Mas se seu objetivo é diversificação, talvez não seja sábio adicionar ouro no auge de um rali especulativo.
Uma reflexão pessoal: por que o ouro atrai tanta atenção?
"E vieram, homens e mulheres... cada um oferecendo uma oferta de ouro ao Senhor." (Êxodo 35:22)
Existe algo visceral no ouro. A humanidade o valoriza há milênios, mesmo ele sendo pouco útil na prática. Civilizações antigas como os egípcios e maias o usavam com fins simbólicos, estéticos ou cerimoniais. O ouro só virou moeda por volta do século VI a.C., na Lídia. Na China e nas Américas antigas, metais como cobre e bronze eram preferidos.
O ouro não tem as características ideais de uma moeda. Sua oferta limitada causa deflação; novas descobertas causam inflação. A enxurrada de ouro da América para a Espanha no século XVI gerou a chamada "Revolução dos Preços" na Europa.
Ainda assim, há quem veja com nostalgia a era do padrão ouro. Mas, como disse Benjamin Disraeli, o padrão ouro não foi a causa da prosperidade britânica, mas uma consequência dela.
Por que, então, o ouro continua a fascinar? Talvez por suas propriedades únicas: não enferruja como o ferro, não mancha como a prata, não quebra como o diamante — e se quebrar, pode ser fundido e refeito. O ouro é indestrutível, quase eterno. E eternidade é uma ideia poderosa. Às vezes me pergunto: será que não existem investidores em ouro, apenas crentes no ouro?